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Versão resumida de Ideias para adiar o fim do mundo de Ailton Krenak

    O texto abaixo é uma versão resumida e adaptada do livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo, de Ailton Krenak, com o objetivo de facilitar seu estudo concentrando as principais informações do texto.

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    Ao longo dos últimos 2 mil ou 3 mil anos, construímos a ideia de humanidade sob diversas influências e concepções. Essa construção foi marcada, em parte, pela ideia de que os brancos europeus, vistos como esclarecidos, tinham o dever de colonizar outras partes do mundo, consideradas menos iluminadas. Esta premissa sugeria que existia uma verdade universal ou uma concepção de verdade que deveria ser compartilhada, levando a “humanidade obscurecida” para a luz da civilização. Este processo não foi apenas uma expansão territorial, mas também uma tentativa de homogeneizar culturas sob uma única visão de mundo.

    No entanto, a chegada do século XXI trouxe consigo questionamentos profundos sobre essa visão unificada de humanidade. Colaborações entre pensadores de diferentes culturas têm permitido uma crítica renovada dessa concepção. As instituições bem consolidadas do século XX, como o Banco Mundial, a OEA, a ONU e a Unesco, exemplificam esforços para criar um mundo mais integrado e homogêneo. Por exemplo, a iniciativa de designar certas áreas no Brasil como reservas da biosfera para protegê-las da mineração exigiu justificativas perante a Unesco, mostrando como essas organizações tentam mediar entre os interesses locais e globais.

    Contudo, surge a questão crítica: “Por que insistimos tanto em participar desse clube global?” Esta interrogação nos leva a refletir sobre nossa antiga tendência à servidão voluntária e à alienação das nossas capacidades de criação e liberdade. O processo de modernização exacerbou esse fenômeno, alienando mais de 70% da população de suas raízes e identidades, jogando-os em favelas e periferias urbanas, distantes de suas memórias ancestrais.

    Esta alienação é agravada pelo avanço das corporações, que, ao devorarem recursos naturais, promovem um estilo de vida centrado no consumo. Nesse contexto, a figura do consumidor suplanta a do cidadão, levando a uma crítica mordaz de como a sociedade contemporânea molda a identidade e o propósito humano. As crianças são ensinadas desde cedo a serem clientes, em um mundo que prioriza a adulação do consumidor em detrimento da cidadania ativa e consciente.

    A humanidade atual enfrenta um dilema existencial: a crescente intolerância para com aqueles que ainda encontram prazer e significado na vida contrasta com uma cultura que prega o fim do mundo como inevitável. As tradições dos povos originários, que resistiram à colonização através da música, da dança e de uma conexão profunda com a terra, oferecem uma perspectiva alternativa de resistência e esperança.

    O desastre ambiental do rio Doce, coberto por material tóxico de uma barragem de contenção, é um triste lembrete do Antropoceno – uma era definida pela influência humana sobre o planeta. Este evento catastrófico simboliza a desconexão da humanidade de seu ambiente, levando-nos a reconsiderar nossa relação com a Terra como nossa casa comum.

    Nesse panorama, a crítica se aprofunda ao reconhecermos que a exploração de recursos naturais não é apenas um ato de violência contra o planeta, mas também uma negação de nossa conexão com a terra e seus povos. A divisão entre uma “humanidade bacana” e uma “sub-humanidade” enraizada na terra revela uma fissura profunda em nossa concepção de humanidade.

    Refletir sobre essas questões nos convida a reconhecer a riqueza das subjetividades e a importância de estarmos conscientemente presentes no mundo, desafiando a tendência atual de reduzir a experiência humana ao consumo. A verdadeira humanidade, então, pode ser encontrada na diversidade de suas expressões e na capacidade de viver de forma plena e conectada, tanto entre nós quanto com

    o ambiente que nos rodeia. Reconhecer e valorizar essa multiplicidade de existências e formas de conhecimento é essencial para enfrentarmos os desafios do presente e do futuro. A superação da visão eurocêntrica de humanidade, que historicamente legitimou a colonização e a exploração, exige um diálogo verdadeiro entre culturas e um respeito profundo pelas diferentes formas de vida e saberes.

    As reflexões de pensadores contemporâneos e a resistência de comunidades indígenas, quilombolas e outras culturas marginalizadas apontam para a possibilidade de uma humanidade mais inclusiva e plural. Essa nova visão reconhece a importância de cada indivíduo e comunidade na construção de um mundo que valorize a diversidade, a justiça e a sustentabilidade. Através da reavaliação de nossas instituições, práticas e relações, podemos começar a imaginar e construir uma sociedade que não apenas sobreviva, mas prospere, respeitando os limites do nosso planeta e as muitas formas de vida que o habitam.

    A ideia de suspender o céu, ampliando nosso horizonte existencial e enriquecendo nossas subjetividades, é um convite para transcendermos a perspectiva de que somos meros consumidores. Em vez disso, somos chamados a participar ativamente na criação de um futuro em que o respeito pela vida, em todas as suas formas, seja o alicerce da nossa existência coletiva. O desafio está em como integrar essa multiplicidade de visões e experiências de maneira que fortaleça nossa conexão com a Terra e uns com os outros, em vez de perpetuar divisões e desigualdades.

    A resposta a essa questão passa pelo reconhecimento de que somos, de fato, uma única humanidade, mas uma humanidade diversificada, cuja riqueza reside justamente em suas diferenças. A superação da ideia de uma humanidade homogênea e consumista requer uma mudança fundamental em como nos vemos e nos relacionamos com o mundo. Essa transformação, embora desafiadora, é essencial para garantir a continuidade da vida no planeta e a possibilidade de um futuro compartilhado, marcado pela compreensão, pela cooperação e pelo cuidado mútuo.

    Em última análise, a construção de uma nova ideia de humanidade depende da nossa capacidade de imaginar e agir coletivamente em prol de um mundo mais justo, equitativo e sustentável. Este é o chamado do nosso tempo: reconhecer e celebrar a diversidade da vida humana e não humana, como base para uma comunidade global verdadeiramente inclusiva e respeitosa. A jornada em direção a essa visão de humanidade é longa e complexa, mas é também uma fonte de esperança e inspiração para todos aqueles comprometidos com a criação de um futuro mais promissor.

    A relação que mantemos com o mundo natural é profundamente marcada por nossas percepções e crenças culturais. Quando afirmamos que um rio é sagrado, muitas vezes essa declaração é vista como mera fantasia ou folclore. Da mesma forma, quando observamos sinais na natureza, como uma montanha que anuncia a chuva e dias prósperos, essas leituras são frequentemente descartadas sob a lógica de que a montanha “não fala”. Essa despersonalização da natureza, onde rios e montanhas são vistos meramente como recursos ou resíduos da atividade industrial, revela uma desconexão preocupante entre o homem e o ambiente que o sustenta.

    Este distanciamento não é apenas uma questão de percepção, mas reflete uma divisão mais ampla entre mundos que uma vez compartilharam origens comuns. Temos, de um lado, comunidades que dependem diretamente de rios para sua sobrevivência, enquanto, do outro, existem sociedades que consomem esses mesmos recursos sem reconhecer sua sacralidade ou importância. Esse abismo reflete uma condição humana profundamente condicionada por uma visão restrita de existência, onde o pragmatismo muitas vezes suplanta a reverência e o respeito pela terra e seus ensinamentos.

    A prática de sonhar, vista por muitas culturas não apenas como um fenômeno onírico mas como uma disciplina espiritual e de orientação, exemplifica uma forma de reconectar-se com essas verdades mais amplas. Ao invés de renunciar à realidade, o sonho é um veículo para explorar caminhos alternativos e receber orientações sobre as escolhas do dia a dia. Essa abordagem ao sonho como uma instituição revela uma cosmovisão que valoriza a interconexão entre todos os aspectos da vida, incluindo aqueles que transcendem a compreensão racional.

    O Antropoceno, uma era definida pelo impacto humano sobre o planeta, simboliza nosso apego a uma ideia fixa de humanidade e de paisagem terrestre. Essa fixação é o resultado de séculos de construção do imaginário coletivo, uma camada sobre camada de desejos e visões herdadas. Esse apego gera não apenas uma resistência à mudança, mas uma relutância em reconhecer outras formas de ser e coexistir neste planeta.

    A relação maternal que muitas culturas antigas estabelecem com a Terra contrasta fortemente com as visões dominantes na sociedade moderna, onde a natureza é frequentemente vista como algo a ser dominado ou explorado. Essa visão contribuiu para a cisão do planeta e para conflitos globais, como a Guerra Fria, onde a humanidade esteve à beira de um abismo autoinfligido. A percepção de um fim do mundo iminente, portanto, não é nova; no entanto, a resposta não deve ser o medo, mas sim a busca por “paraquedas” que nos permitam enfrentar as quedas inevitáveis.

    O desafio é transcender a técnica e a mercadoria, redirecionando nossa vocação para o prazer e para uma coexistência harmoniosa com a Terra. O fim da era dos cientistas livres, capturados pela máquina da mercadoria, simboliza a urgência de repensar nossa relação com o conhecimento e com o mundo. As descobertas não devem ser vistas com desconfiança, mas como convites para explorar novas formas de viver.

    Neste contexto, o sonho emerge como um espaço vital para a imaginação e para a visão de mundos possíveis. É um convite para habitar um lugar além da “terra dura”, onde as visões e a transcendência abrem caminho para novas formas de relação com o que chamamos de natureza. Esse reordenamento das relações e espaços sinaliza um caminho para a coexistência dos “velhos manjados humanos” com a metáfora da natureza que criamos.

    O contato com outros mundos durante as grandes navegações, que levou à desaparição de muitas culturas através de epidemias, é um lembrete sombrio do impacto humano. Para muitos povos, o fim do mundo ocorreu no século XVI, marcando um desastre cujas consequências ainda enfrentamos. Reconhecer essas histórias é fundamental para compreender o estado do mundo hoje e para imaginar novos futuros.

    Portanto, a reflexão sobre o Antropoceno e nosso papel nele não deve ser uma causa de desespero, mas um convite para reimaginar nossa existência em harmonia com a Terra. Ao reconhecer os sonhos e as visões como guias, podemos começar a tecer paraquedas que nos permitam enfrentar as quedas, celebrando a vida na sua plenitude e diversidade.

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